terça-feira, 1 de setembro de 2009

O campo das Neurociências e das terapias

As perturbações do funcionamento mental sempre constituiram pontos de convergência entre várias disciplinas e foram amplamente estudadas quer por neurocientistas quer por psicanalistas.
Com o trabalho de Alexander R. Luria desenvolveu-se dentro do campo da neurociência do comportamento, a neuropsicologia dinâmica, cujos princípios se aproximam aos da psicanálise por aceitar que as funções da fisiologia cerebral ocorrem na interacção dinâmica de diversas áreas espalhadas pelo cérebro, e não resultante de uma localização num centro. Será então possível unir uma modalidade de investigação que utiliza técnicas específicas e objectivas para aceder às alterações entre cognição, comportamento e actividade cerebral, com uma outra que procura aceder às estruturas psicológicas subjacentes da personalidade, motivação e emoção? Talvez a esta pergunta se possa responder com o trabalho de António Damásio que, nas palavras de Emílio Salgueiro*, iniciou uma clara aproximação da neuropsicologia em relação à psicanálise.

De facto este novo campo vem dar um lugar de destaque aos processos psíquicos inconscientes- alicerces do psiquismo consciente, e insiste no dinamismo entre estes, entre afecto e pensamento e entre corpo/mente e ambiente socio-cultural.

Tem em conta o enraizamento dos processos mentais inconscientes no próprio corpo e entre este e as suas emoções.


"Diálogos fecundos podem neste momento ser entabulados entre psicanalistas e neuropsicólogos". Emílio Salgueiro*

Portanto podemos pressagiar um casamento feliz entre neurociências e as diversas modalidades psicoterapeuticas

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SALGUEIRO, Emílio. O segundo erro de René Descartes: Diálogo e criatividade. Aná. Psicológica

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Psicoterapia e Neurociencias: o casamento que nao escondido demora a ser reconhecido

A Revolução Cognitiva deu-se nos anos 70! Foi a época do estudo das funções cerebrais que permitiu compreender melhor o funcionamento do nosso enigmático cérebro. A partir dos anos 90 partiu-se para novas "aventuras": mapear no cérebro as emoções ou mesmo a consciência. Estava assim refutada a ideia de que corpo e mente seriam entidades separadas. Situando a mente no cérebro, sendo o cérebro corpo, então chegou-se a corpo e mente unos. Parece ter sido este o momento do casamento (feliz) entre psicoterapia e neurociências, ou o momento em que o divulgaram.
Se a psicoterapia envolve alterações emocionais, cognitivas e comportamentais, tais alterações têm expressão cerebral. Quando em psicoterapia cognitiva se substituem pensamentos automáticos irracionais por pensamentos racionais, criando alterações emocionais, ocorreu uma nova aprendizagem. Esta nova aprendizagem deve-se à criação de uma nova rede neuronal ou alteração de uma já existente, o que tem uma expressão cerebral que pode ser observada utilizando técnicas de imagiologia refinadas como o PET scan, quando ocorrem em maior escala
Ora o casamento, embora demore a ser reconhecido, é efectivo. Assim, o desafio que parece agora ter de se superar é o desenvovimento do seu "filho". Surgem já algumas investigações que, através do estudo neuropsicológico e utilizando técnicas de imagiologia, verificam as activações cerebrais e alterações que ocorrem ao longo da psicoterapia. Se a Psicoterapia e a Neuropsicologia (ou Neurociências) continuarem o trabalho conjunto poderemos chegar ao momento em que, partindo de uma avaliação neuropsicológica, possamos planear uma intervenção psicoterapêutica tendo presentes os efeitos que o objectivo psicoterapeutico terá dentro de nós, ou seja no nosso cérebro. Será um trabalho bidireccional! Não significa que se torne a psicoterapia muito técnicista mas sim que se compreendam melhor os seus efeitos, tornando-a ainda mais eficaz.
Que o fim desta história seja "e viveram felizes para sempre...".

Histórias de vida

Este mês lançou-se um tema sobre a importância das histórias, dos contos e da narrativa na estruturação do psiquismo. Falou-se sobretudo nas crianças e nos contos de fadas, mas poder-se-ia ter falado das fábulas, das lendas e também dos mitos que desempenham igual importância não só na infância mas ao longo de toda a vida.

As histórias, reais ou ficcionadas só têm sentido se forem interpretadas à luz do mundo simbólico que constitui a cultura humana e não é novidade para ninguém que a condição humana é o reflexo da cultura e da história, para além dos recursos físicos e psicológicos.

Quem nunca leu uma biografia? Habitualmente estão repletas de factores históricos e culturais. E o método biográfico ocorre tanto na literatura como nas ciências sociais. As histórias de vida (expressão mais comum para designar o método biográfico nas ciências sociais) são utilizadas para estudar os estágios de desenvolvimento e as transições que ocorrem ao longo de uma vida. Para além da investigação este método pode também ser utilizado com uma intencionalidade terapêutica. A utilização metodológica das histórias de vida permite a transformação do sujeito empírico em sujeito analítico e revela a necessidade de demonstrar a forma como o sujeito analisa e atribui sentido ao seu quotidiano e às decisões que toma.

Para Bruner (1990)* a principal tarefa do eu é mesmo a construção de uma história de vida (construção longitudinal do eu) ajustada às circunstâncias actuais do sujeito no sentido de uma coerência e adaptação externa e interna, desenvolvendo um sentido de identidade e continuidade.


* Bruner, J. (1990). Actos de significado. Lisboa: Edições 70.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A Morte do Pato Donald - (Avô, conta-me uma história!)


A propósito deste tema lembrei-me de um artigo que li há algum tempo na revista Pública do Expresso do Dr. Daniel Sampaio. O artigo iniciava com uma pequena resenha a outro artigo "Os 25 mitos da Pediatria" no qual também se podia ler algumas inovações para pais e professores, mas Daniel Sampaio quis acrescentar a profunda mudança ocorrida nestes últimos anos e intitula o seu artigo como: A MORTE DO PATO DONALD

Depois de alguma procura consegui encontrar o artigo e transcrevo aqui alguns items que me parecem fulcrais para o assunto em questão.

"O quotidiano da criança mudou. Hoje vão cedo para a creche e não brincam na rua, o peluche caiu em desuso e o Pato Donald morreu. Um menino dos nossos dias que aprendeu a ler não se entretém com uma revista de quadradinhos do Tio Patinhas, como acontecia com os seus pais, até porque só com dificuldade a encontrará nas bancas. Mickey e Minnie, Donald e Margarida, Pateta e Clarabela são "casais" do passado, seres assexuados que só tinham sobrinhos (quem seriam os pais) e se entretinham com estórias que hoje nos parecem inverosímeis. O mundo de hoje é outro: telemóvel e computador, Game-Boy e Play-Station são utilizados com grande à-vontade por crianças pequenas...Tudo está diferente...Morreu o Pato Donald, viva o Pokémon!
A verdade é que nunca, como agora, se tornou tão importante o papel dos adultos junto dos mais novos: com tanta informação rápida, com as imagens a entrarem nas nossas casas deixando dúvidas sobre o que é real e virtual, com o mundo tão imprevisível e por vezes perigoso, apalavra dos familiares é cada vez mais relevante. Pela simples razão que é única e insubstituível: jamais um jogo eléctrónico ou uma pesquisa na internet substituirá a afectividade da narrativa do avô ou a palavra afectuosa de um pai...As crianças precisam de estimular a imaginação e de encontrar segurança na sua relação com os adultos mais importantes, os seus familiares. As famílias já não são três gerações à volta de uma lareira, mas continuam a ser o espaço emocional mais importante para os mais novos."

Ora na relação que se estabelece entre criança-adulto-livro aparecem laços afectivos muito fortes e a cumplicidade da leitura permite-nos viver a experiência de compartilhar os sentimentos e as emoções que os livros nos proporcionam.

A emoção age principalmente na segurança das crianças, base de todo o desenvolvimento e é preciso dar e criar oportunidades para a expressão das emoções e sentimentos, para que a criança os reconheça e elabora, ora os livros, as narrativas, proporcionam tudo isto, já que são poderosos clarificadores de significados, permitem organizar o real e conceitos como bem/mal; bonito/feio; justo/injusto.

Plãtão refere que o valor educativo das histórias exerce um fascínio sobre a mente das crianças e Betelheim afirma que estas têm uma forte influência e reconstroem as dimensões mais profundas do sentir e do pensar.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

"Contar é falar sem necessidade, pelo prazer de dizer."
R. Diatkine (1985)

domingo, 9 de agosto de 2009

Psicoterapia e Neurociências, um namoro difícil ou um casamento á vista?



A questão das neurociências da psicologia já se coloca á cerca de um século, Freud escreveu que muitas das doenças psicológicas que observara teriam no futuro uma melhor compreensão e tratamento com o evoluir das neurociências.
António Damásio ao ser confrontado com uma pergunta de uma jornalista, no sentido de saber como se podem alterar as conexões neuronais de determinada estrutura de personalidade, respondeu “fazendo psicoterapia!”.
Faz algum sentido começar por explicar o que cada técnica de captação de imagens pode dar.
A TAC - tomografia axial computorizada - permite obter imagens do cérebro através de raios X. A diferença de densidade dos tecidos autorizam a visualização das várias regiões cerebrais como nestas imagens tomadas de diferentes ângulos. A TAC permite detectar alterações anatómicas no cérebro tais como tumores, AVCs e outras anomalias.

A RM - ressonância magnética nuclear - é um sistema de neuro imagem anatómica não invasiva que oferece imagens cerebrais de alta resolução obtidas a partir da medida das ondas que emitem os átomos de hidrogénio quando são activadas por ondas de radiofrequência num determinado campo magnético.

A PET - tomografia por emissão de positrões - permite detectar a actividade cerebral determinando o fluxo de sangue, o qual contem átomos radioactivos que emitem positrões. Avalia a quantidade de actividade metabólica do tecido cerebral. Os pacientes são injectados com uma substância radioactiva a qual vai ajudar a produzir imagens das áreas cerebrais activas. Ou seja, esta técnica permite imagens tomográficas funcionais do cérebro em situação basal ou durante a realização de alguma actividade.

A IRMf - ressonância magnética funcional - é sensível às alterações do fluxo sanguíneo que percorre todo o cérebro e se altera a todo o instante conforme a actividade das células nervosas (neurónios), podendo-se detectar onde essa actividade está mais intensa. A técnica fundamenta-se na medição do oxigénio no sangue nas áreas mais activas do cérebro, gerando imagens cromáticas de alta resolução tendo aberto enormes expectativas na ampliação do conhecimento das funções cognitivas.

Embora seja uma técnica diferente, o EEG - electroencefalograma - permite o registo da actividade bioeléctrica de numerosos potenciais de acção que são recolhidos por eléctrodos aplicados na superfície do couro cabeludo. Uma aplicação do EEG é a técnica dos Mapa de Actividade Cerebral (MAEC ou BEAM em inglês, iniciais de Brain Electrical Activity Mapping) a qual serve para estudar as alterações de activação de qualquer das quatro ondas do EEG - delta, teta, alfa e beta - durante a execução de tarefas cognitivas. Mais recentemente a MEG (magnetoencefalografia) permite identificar com maior precisão a origem das ondas cerebrais.

Através das novas técnicas de imagiologia torna-se possível observar e interpretar imagens do cérebro em actividade de uma forma mais completa e eficiente. Gradualmente, os progressos técnicos da imagiologia cerebral poderão mostrar como o cérebro codifica informação complexa e não apenas onde se dá essa codificação.

Noutros post´s farei uma abordagem mais aprofundada de cada uma das técnicas e do que tem vindo a ser investigado na nossa área.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Malos Habitos de Simon Bróss


Um filme bem interessante que fala de diferentes relações patológicas com a comida. A relação da freira sustentada numa lógica de pensamento mágico. A relação com a comida é uma relação de sacrifício que no pensamento mágico origina “milagres” de cura. Ao comer alimentos repulsivos, demasiado salgados, azedos, estragados está a consumar um sacrifício que se irá traduzir na salvação da tia doente, como na sua infância rezar quando o pai se engasgava quase até à morte, lhe fez criar a ilusão de que a sua reza tinha tido o poder de salvar o pai da morte eminente. É, no fundo, uma relação obsessiva em que a comida é um mero mediador do efeito mágico. Da relação sado-masoquista com a comida em que come alimentos deteriorados ou demasiado condimentados, passa à restrição alimentar que mantém a dominante sacrificial.

A anorexia da mãe traduz-se numa tirania perante a filha gorduchinha controlando-lhe a comida e exigindo-lhe exercício físico demasiado frequente que pratica em si propria, revelando a insuportabilidade de uma relação de prazer com a comida e a obsessão pelo controlo. O marido incapaz de se relacionar sexualmente com o corpo demasiado magro da mulher envolve-se com uma rapariga que gosta de comer e de sexo.

A tensão interior dos personagens intensifica-se e rompe-se o ciclo destrutivo com a morte ou a aproximação à possibilidade de homicídio/suicido. É um filme que exprime a força destrutiva das dinâmicas obsessivas centradas nas relações com o corpo e o poder (enquanto antídoto da impotência).

A arte da narrativa!


Muitas vezes encontro pessoas com histórias de vida muito bem organizadas e coerentes. Outras vezes encontro uma emocionalidade que impede o acesso á própria história.

Ora isto deixou-me a pensar, se por um lado os pacientes adultos com uma narrativa mais organizada estão mais funcionais, devido as suas defesas ligadas á intelectualização, por outro a dificuldade ou incapacidade de experiencias emoções deixa-os num sofrimento surdo que os impede de ter algum prazer nas suas vivências quotidianas. Algumas pessoas já começaram a sessão dizendo que não conseguiam sentir emoções.

Mas aqui a questão central é a narrativa.
Por vezes o recontar da história permite uma distância que ajuda a organizar, por outro lado o repetir de algo pode levar a um estado de auto-comiseração que afundará a pessoa no seu papel de vítima.

Tarefa difícil para o terapeuta, por um lado ajudar a recontar uma história, por outro, mudar o significado emocional para o paciente, para que este possa seguir em frente.

No fundo, uma narrativa bem sucedida, é aquela que a vítima se torna o herói sobrevivente… não é isso que as crianças fazem sempre!

sábado, 25 de julho de 2009

Afinal...quem tem medo do lobo mau ?


Há algum tempo atrás escrevi um post, que aqui vou reproduzir, sobre a forma como as histórias da nossa infância têm vindo a ser distorcidas a fim de supostamente diminuir a violência nelas contida. A história do capuchinho vermelho é uma das que tem sofrido mais alterações.

Brenman, na sua tese sobre a relação das crianças com as histórias infantis defende que, contrariamente ao que tem sido defendido por muitos, é bom que as histórias contenham personagens maus e violentos, tipo lobo mau, bruxas, etc, pois as crianças precisam aprender a lidar com e a vivenciar essas emoções.

O que aqui me suscita maior reflexão é a tendência crescente para educar as crianças de forma asséptica, a qual por sua vez parece corresponder a uma cada vez maior preocupação parental em expor os filhos a algo que sempre fez e sempre fará parte da natureza humana, como é o caso da agressividade e da violência.

Ora porque será que os pais andam tão preocupados com a violência e tão envolvidos em estratégias educativas para a neutralizar senão porque eles próprios se mostram cada vez mais incapazes em lidar com esses sentimentos?... O resto corre por conta dos mecanismos de identificação projectiva, visto que a forma como os pais intuem os filhos depende das partes de si próprios sobre eles projectadas.

Desta forma, o preocupante não é a violência presente nos contos infantis mas a violência latente presente no interior de cada mãe ou pai excessivamente preocupado com a violência. Pois dos progenitores a criança não pode desviar os sentidos…

Assim, preocupante para mim é a interiorização silenciosa que a criança é forçada a fazer da violência contida dos pais e que vai constituir as bases de identificação de que tanto precisa para construir a sua identidade.

Muito mais pacifica em termos desenvolvimentais, por paradoxal que possa parecer, é a violência mais turbulenta, mas sobretudo visível, que permite à criança jogar os seus conflitos, fazer à vez de vitima e de carrasco, identificar-se a uns e/ou a outros, encenando movimentos de aproximação e de afastamento segundo os afectos nela mobilizados.

Claro que se nos colocam muitas questões relacionadas com este tema da violência presente nas referencias culturais, sobretudo as que dizem respeito ao simbólico e à metáfora e à forma como a sociedade de hoje os vive e os transmite à criança, mas isso é tema de outra discussão.

Deixo-vos com duas imagens, o lobo mau de barriga aberta, e uma mãe/pai horrorizados com a barriga aberta do lobo mau... Não será com certeza difícil perceber qual é a que pode fazer mais estragos na mente de uma criança ...

MÃE, CONTA-ME UMA HISTÓRIA




ola Eliana


esse livro do Bruno Bettelheim foi-me utilíssimo quando a minha filha era pequena. Não que lho lesse, claro (:)), mas ajudou-me a perceber o simbolismo por detrás dos contos e lendas, às vezes assustadores, que se vão narrando às crianças (espero eu que ainda haja quem o faça).


Esses contos tinham uma função essencial que era a dos medos, terrores e fantasias poderem ser vivenciados na presença contentora da mãe (ou doutra figura parental). Uma espécie de faz- de-conta que me parece essencial no crescimento da criança. Até o complexo de Édipo está lá, como Bettelheim nos explica.


Vejo por aí à venda uma literatura infantil asséptica que não indicia nada de bom e que me parece que não permite à criança vivenciar experiências estruturadoras da sua identidade. Mas pode ser que esteja a ser pessimista, não sou especialista... Em contrapartida, e embora nada me mova contra a televisão ou outras tecnologias, consta-me que há desenhos animados assustadores e muito violentos, especialmente na ausência de alguem que explique e sossegue.


A minha filha tinha os seus contos preferidos, que nem sempre coincidiam com os meus (isto é, de quando eu era criança). Eu sempre adorei a história do capuchinho vermelho (carregadinha de simbolismo - quem pode ficar indiferente perante aquele lobo mau disfarçado da avózinha) mas supeito que ela preferia a história da Goldilocks (Caracolinhos loiros, numa das versões portuguesas), em que a miúda entra em casa da família dos ursos (pai, mãe e filho) na ausência destes. O conto tinha obrigatoriamente de ser narrado imitando as vozes do pai, da mãe e do filho ursinho. E da menina, que no fim foje por uma janela, depois de ser deitado (!) na cama de cada ums das personagens, sentado nas suas cadeiras e comido das suas tijelas.


Ah, a curiosidade infantil... O Freud chamava-lhe instinto escopofílico. É conveniente que a criança possa exercitá-lo e orientá-lo para a criatividade.

AINDA ACERCA DA NEUTRALIDADE

http://www.apa.org/monitor/2008/10/privacy.html

Para os interssados, este arigo da revista da APA sobre os psicoterapeutas, os clientes, a net e as redes sociais, é interessante.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Conta-me uma história...

Conta-me uma história, desses personagens inventados, que personificam os meus dramas e conflitos internos e assim, me ajudam a crescer. Conta-me uma história porque ela me permite compreender quem sou eu e me ajuda a descobrir o outro, entre esses bravos guerreiros e jovens princesas, que moram numa terra muito muito distante e acolhem, gentilmente, as minhas identificações e projecções. Traz-me também na tua história o nome das minhas angústias, dos meus medos em forma de bruxa, dos perigos em forma de lobo e aqui, enquanto me lês a história e estamos seguros, treinamos a morte, o susto, o abandono… mas também experimentamos, encenando, a alegria, a vitória, o amor... Ensina-me a tua moral, o que é o bem e o mal, de que são feitos os alicerces desse reino, que me dás a conhecer. Embala-me com a tua voz por entre os secretos lugares do meu inconsciente e oferece-me o tempo e o espaço para que na fantasia eu construa o meu imaginário.

Diz Bruno Bettelheim*:
"(...) os contos de fadas são portadores de mensagens importantes para o psiquismo consciente, pré-consciente ou inconsciente, qualquer que seja o nível em que funcione. Lidando com problemas humanos universais, especialmente com os que preocupam o espírito da criança, as histórias falam ao seu ego nascente, encorajando o seu desenvolvimento, enquanto, ao mesmo tempo, aliviam tensões pré-conscientes ou inconscientes. À medida que as histórias se vão desvendando, elas dão crédito e corpo conscientes às tensões do id e mostram os caminhos para satisfazer as que estão alinhadas com as exigências do ego e do superego."


* no seu livro A Psicanálise Dos Contos de Fadas

domingo, 19 de julho de 2009

Neutralidade versus Auto-revelação!


Neutralidade do Terapeuta.
Este conceito já foi definido de vários modos pelas minhas colegas. Como todos os conceitos existe um reverso deste conceito.
Ora nem todas as vertentes da psicoterapia exploram da mesma maneira este conceito, uma das formas de “reverter” esta neutralidade é a auto-revelação.
Esta ferramenta terapêutica pode ser muito poderosa, no entanto pode colocar o terapeuta numa posição frágil, ao revelar coisas do próprio a determinados pacientes. Para alguns isso é totalmente contraproducente, por exemplo quando há questões ligadas aos limites nos relacionamentos, “é um tiro no pé!”. Para outros é um modo de aproximar e de modelar o seu comportamento a algo mais normativo.
Outro aspecto a ter em conta, é a utilidade da neutralidade e da auto-revelação. Se por um lado a neutralidade estimula a projecção, por outro lado a auto-revelação também o pode fazer, a questão chave passa a ser, como aliás em tudo em psicoterapia, o que é melhor para o paciente?
Dá que pensar não dá?

quarta-feira, 15 de julho de 2009

dar espaço: da neutralidade



Há o que fundamentalmente somos, e o mais ou menos visível desse fundamento, na forma como falamos, calamos, vestimos, decoramos uma sala, e quanto a isso nada há, nem me parece que tenha que haver, nada a fazer. Somos.
Depois há a necessidade de existir, marcar, vincar o espaço de acessórios-defesa contra angústias do próprio ou reflexo das do outro, que se nalguns momentos muito específicos da relação podem ser importantes, noutros retiram espaço.
Parece-me que no que pode retirar espaço à liberdade de outro (consciente, mas sobretudo inconsciente) é que a neutralidade se coloca como questão importante a ser reflectida.
Ser o menos possível, sendo no fundamental: dar espaço.

sábado, 11 de julho de 2009

No comments?

Obrigada à duas Elsas pelos comentários. Em particular o da Elsa Madeira pareceu-me uma síntese exaustiva da problemática em causa e uma defesa da postura da neutralidade.

Mas gostava de saber a opinião de mais pessoas, designadamente em relação à net e à exposição pública. O que significa colaborar num blog? Consome tempo, esforço, às vezes é frustrante, os nossos nomes tornam-se mais googláveis e portanto mais criticáveis, etc.
Será que querem levar a neutralidade tão longe que não se querem pronunciar neste blog? Não me tinha ocorrido, mas agora que penso nisso... Hmmm... Hmmm...Seria o cúmulo da neutralidade - acho que até se poderia designar mesmo por abstenção.
Bem, deixo aqui esta nota humorística.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Sobre neutralidade


O rápido desenvolvimento global verificado nas últimas décadas, exige alterações e adaptações nas mais diversas áreas do saber.

A Psicanálise não é excepção.

Porém, no que diz respeito ao conceito de neutralidade, julgo que este se mantém actual, sendo um pilar na conduta psicanalítica.

Apesar de Freud não ter usado o termo neutralidade ao longo da sua obra, este está implícito nas suas formulações, como um princípio fundamental na relação terapêutica.

Desde a consciencialização da importância deste conceito muitas alterações e adaptações se têm verificado ao longo dos tempos.

Contudo a sua importância prevalece com vista a reduzir o mais possível todo e qualquer efeito parasita presente na relação terapêutica ante o desenrolar das acções psíquicas do paciente.

sábado, 4 de julho de 2009

Da neutralidade


Com as transformações que o mundo tem vivido sobretudo nos últimos 50 anos, parece-me inevitável que se coloquem em causa os velhos conceitos, aos mais variados níveis. Na psicanálise estes questionamentos são de extrema utilidade não só no sentido de estimular, através da reflexão, o nosso crescimento como também como um meio para alcançar um melhor desempenho profissional, mediante uma melhoria da adaptação das teorias à prática.

Olhando para as transformações quer sociais quer individuais que se têm vindo a observar interrogo-me sobre as suas invariantes. Ou seja, no fundo e para além de todas estas mudanças o que é que permanece ou deveria permanecer igual para o bem da humanidade em geral e dos seus indivíduos em particular. Bom, mas isso daria já outra reflexão!

Sobre os velhos ideais aplicados ao trabalho psicanalítico, o que importaria agora aqui pensar é quais deveremos ou não seguir, ainda que sempre conscientes de que só conseguiremos deles meras aproximações. Sócrates ao defender a Verdade, no século V a.c., foi condenado à morte. Outros autores ao longo da história, e mais recentemente Bion, continuam a afirmar que existe uma Verdade ultima, ainda que dela só consigamos levemente aproximar-nos.

A meu ver, face à neutralidade do analista passa-se algo de semelhante. Freud afirmava que este deve ser como um espelho que reflecte o que o analisado lhe mostra, com um mínimo de interferência possível da sua parte. Ao dize-lo está consciente de que é fácil que essa interferência ocorra e que é humano que assim o seja, mas que o nosso esforço deve ser no sentido de criar condições, através da nossa auto-reflexão e da nossa ética, para que essas sejam reduzidas ao mínimo.

Trata-se, dito de forma muito simples, de evitar a interferência de ruídos que iriam diminuir a nossa capacidade de ouvir o que o nosso paciente nos diz. Ruídos estes, uns oriundos do nosso mundo interno, através da nossa própria contra-transferencia, muito útil no entendimento do que se está a passar em cada momento do processo e outros, provocados por um excesso de nós, que levaria o paciente a sentir menos espaço para entrar e a nós a ter menos espaço interno para o receber. Claro que com as neuroses isto remete para uma maior ou menor dificuldade de o paciente transferir sobre nós os seus conflitos, mas mesmo com patologias limite ou psicóticas penso que é mais importante que estes nos sintam mais como continente e menos como conteúdo.

No fundo acredito nos benefícios da neutralidade como ideal a seguir, mas com as devidas adaptações, quer no que remete para a articulação com a psicopatologia, pois a neutralidade com a neurose não é igual à neutralidade com a patologia psicótica, e aliás a própria contra-indicação do divã é disso exemplo, quer no que remete para a exposição publica, a qual nos tempos que correm, com a Internet, seria quase impossível evitar.

Mas sempre com a neutralidade no horizonte não deixo de ter alguns cuidados com aquilo que escrevo ou revelo, e de me questionar sobre o que os meus pacientes pensarão ou sentirão se/quando confrontados com essa informação.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

AS REGRAS


Tinha proposto para o início de Julho a discussão de um tema que me parece muito actual: o da aplicação da velha regra da neutralidade (e não digo velha no mau sentido; eu adoro, como acho que todos sabem, o velhinho das barbas).

Ou seja, será que ela faz ainda sentido, num tempo em que a hiperconexão cibernética, por um lado, e a apatia cívica, por outro, puxam em sentidos contrários (ou no mesmo, quem sabe)?
Julgo que todos têm já, divulgado pela Ana Almeida, o texto de Adrian Liberman, psicanalista venezuelano. Liberman fala, nese texto de ódio e de polarização política. Há dias houve um golpe de estado nas Honduras, de que resultou uma condenação conjunta dos USA e da Venezuela. Facto insólito e que dá que pensar.
E aqui, como é?
Devemos tomar posições públicas? De certo modo, estamos a fazê-lo, sempre que escrevemos neste ou noutro blog, jornais, revistas, livros, etc.
Acontece-me cada vez mais aparecerem-me pacientes que já me googlaram antes da primeira consulta.
Como interpretar a regra da neutralidade nestas circunstâncias? Será a mesma que era no tempo de Freud? Recordo que ele nunca deixou de tomar posições (a carta sobre o sionismo, de 1930, é um excelente exemplo, mas há muitos mais).
Fico à espera das vossa reflexões.

terça-feira, 30 de junho de 2009

O Tempo adolescente e o Fora/Dentro


Neste tema tão englobante que é o tempo e o dentro pensei em várias questões com as quais nos deparamos na nossa prática clínica; o tempo da relação, o não tempo para pensar, o dentro das questões mais reconditas, o fora e o dentro na relação terapeutica...

Um dia, num seminário que assisti em Espanha, o Juíz de Menores de Madrid, a propósito da violência entre adolescentes e nos adolescentes, proferiu uma frase que me levou a escrever hoje sobre o tempo e o dentro e fora da vida de um adolescente.

Não consigo recordar literalmente aquilo que disse mas foi qualquer coisa como: O tempo que um adulto reclama para punir um adolescente não se pode igualar ao tempo real que o adolescente vive...

Isto fez-me pensar sobre a adolescência e os seus tempos e dentros:

Fora da Infância... Fora da fase Adulta
Dentro da Adolescência
Que Tempo é este?
É o Tempo do tudo e do nada?
O não Tempo?
O Tempo em demasia?
Estão Fora?
Estão Dentro?

A adolescência tem um pouco de tudo isto, é uma fase, mas uma fase que precisa de ser compreendida como um lugar onde há um sujeito com especificidades e que precisa de um espaço onde se possa exercitar

Françoise Dolto a propósito da adolescência faz uma analogia com os lagostins:"Para melhor compreendermos o que é a privação, a fragilidade do adolescente, tomemos o exemplo dos lagostins e das lagostas quando perdem a sua carapaça: nesta época elas escondem-se sob os rochedos o tempo suficiente para readquirir as suas defesas."

domingo, 28 de junho de 2009

Corpo de(s)graça


É inquestionável o quanto somos influênciados pelos modelos que nos assediam a cada instante. Sendo corpo e mente uma instância una, o corpo é o espelho da nossa mente... do quão sã ou em sofrimento se encontra. E como dizia esse sr. (que parece ter precedido o seu tempo), o corpo é que paga. (Bem estar é ir para a praia pelo mergulho e não pelo bikini)

quinta-feira, 25 de junho de 2009

corpo de sentido


templos feitos com dentro de tempo.
tempo de relação, tempo de estar dentro e nos tempos de outro.
ser corpo com graça com dentro de tempo que faz nós.
nós que não se desatam, que existem num templo que é dentro
e tudo faz sentido.
ser corpo, ter corpo, e dentro e tempo,
e tempo e dentro, ter corpo, ser corpo.
desejo, sonho, graça.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

O(s) Tempo(s) e o dentro



Como todos bem sabemos e sentimos o tempo de fora não é igual ao tempo que existe dentro de nós. Mas mais do que não ser igual obedece a lógicas radicalmente diferentes.

O tempo de fora é o tempo cronológico, racional, organizador da nossa consciência e da vida em sociedade, onde passado, presente e futuro formam uma sequência unidireccional e unívoca.

Em contrapartida o tempo de dentro é o tempo do inconsciente, onde não há sequência alguma, obedecendo a uma lógica a que Matte Blanco chamou de simétrica, pois nela o passado é igual ao futuro, o grande é igual ao pequeno, o cheio igual ao vazio.

Não deixa de ser curioso observar que quanto maior for o distúrbio psicológico apresentado mais este tempo de dentro se vai sobrepor ao tempo de fora, com prejuízo da adaptação ao mundo exterior. É frequente por exemplo um esquizofrénico não saber em que ano está, pois vive mais virado para as sensações oriundas do seu mundo interno do que para o mundo externo. Ou ver um melancólico desesperadamente agarrado ao passado, ou um hipomaniaco em continua fuga para a frente, sem conseguir sequer viver o presente.

É também a evocação do tempo de dentro que faz a histérica confundir afectivamente o pai com o marido e/ou com o filho. E o obsessivo tentar isolar e/ou anular magicamente actos e pensamentos.

Mas se o tempo de dentro nos convoca continuamente a nossa capacidade de pensar, no sentido de reconhecer, nomear, descodificar e entender a amálgama de sensações e afectos que emergem dentro de nós, é o tempo de fora presente no olhar do(s) outro(s) que nos mostra o que fomos, o que somos e o que poderemos ser, no fundo, que é a passagem do tempo que, ao testemunhar a continuidade da nossa existência e do essencial dos nossos afectos e pensamentos, nos permite afirmar a nossa identidade no mundo.


terça-feira, 23 de junho de 2009

O corpo de(s)graça


O eu é primeira e acima de tudo um eu corporal, disse sabiamente Freud, querendo afirmar que é do corpo e das suas percepções e sensações que emerge o eu do indivíduo, o qual se vai tornando, ao longo do desenvolvimento, progressivamente mais simbólico.
Quando existem falhas neste processo o eu em vez de consistente e coeso revela-se poroso, como se a pele psíquica se apresentasse com buracos que deixam passar partes do sujeito que se vão depois misturar com partes do objecto gerando movimentos de projeccção e de identificação projectiva patológica onde o individuo se perde e se confunde pois não pode vivenciar-se como separado do outro.
Nestes movimentos caracterizados pelas dificuldades ao nível do simbólico o corpo é vivido na sua concretude, quase sem metáfora, sendo neste registo que enquadramos várias patologias onde o corpo surge agredido, maltratado, como sejam as auto-mutilações, as anorexias/bulimias, algumas doenças psicossomáticas, as toxicodependências, a prostituição, tantas são as formas de vivenciar no corpo as dores da alma.
O corpo é então um continente da raiva e ódio experimentados contra si pela impossibilidade/insuportabilidade de os voltar para fora, para o exterior, eventualmente para o agente agressor, tantas vezes pai ou mãe.
(…) Lembro-me de a ver entrar, meias pretas de rede rotas deixando ver as marcas de agulha das seringas que espetava e a boca suja de chocolate do bolo que tinha entre os dedos. Abusada antes pelo pai dava-se agora ao abuso dos outros, viciadamente, estes podia ela controlar (…)

quinta-feira, 18 de junho de 2009

O corpo e a alma


"A deformidade do corpo não afeia uma bela alma, mas a formosura da alma reflecte-se no corpo."

Séneca, filósofo (4 a.C - 65 d.C)

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Os Tempos e o Dentro...



Sou uma memória?

Um tempo de espera?

Uma espera no tempo?

Vários tempos... e o meu dentro, que tempo tem para mim?

Tempo e eu unos? Eu é tempo... feito de antes, de agoras de depois...

Amanhã continuarei a ser o que fui... o que sou?

Dentro de mim há um tempo... tempos... de antes, de agora de depois...

domingo, 14 de junho de 2009

Quando a cabeça não tem juízo o corpo fica uma desgraça!



Quando a cabeça não tem juízo o corpo fica uma desgraça!

Este podia ser o título do clip abaixo exibido!
Podia deambular acerca dos vários significados que determinados desportos radicais tem nas vidas de quem os pratica… mas se ouvirem a letra e pensarem sobre ela terão melhores resultados que lendo as minhas palavras…


Quando a cabeçaÂ….
Quando a cabeça não tem juízo
Quando te esforças mais do que é preciso
O corpo é que paga
O corpo é que paga
Deixa´ó pagar deixa´ó pagar
Se tu estás a gostar
Quando a cabeça não se liberta
Das frustaçoes inibiçoes toda essa força
Que te aperta o corpo é que sofreAs privaçoes mutilaçoes
Quando a cabeça está convencida
De que ela é a oitava maravilha
O corpo é que sofre
O corpo é que sofre
Deixa´ó sofrer deixa´ó sofre
Se isso te dá prazer

Quando a cabeça está nessa confusão
Já sem saber que hás-de fazer, e já és tudo o que te vem à mão
O corpo é que fica
Fica a cair sem resistir


Quando a cabeça rola pro abismo
Tu não controlas esse nervosismo
A unha é que paga
A unha é que paga
Não paras de roer
Nem que esteja a doer

Quando a cabeça não tem juízo
E tu não sabes mais do que é preciso
O corpo é que paga
O corpo é que paga
Deixa´ó pagar deixa´ó pagar
Se tu estás a gostar
Deixa´ó sofrer deixa´ó sofrer
Se isso te dá prazer
Deixa´ó cantar deixa´ó cantar
Se tu estás a gostar
Deixa´ó beijar deixa´ó beijar
Se tu estás a gostar
Deixa´ó gritar deixa´ó gritar
Se tu estás a libertar

Muito á frente não?




terça-feira, 9 de junho de 2009

O ANALISTA-CIDADÃO

Proponho que matutemos sobre a seguinte citação de Carlos Amaral Dias e a conjuguemos com a propsta que fiz anteriormente (no blog interno) de pensarmos a questão da neutralidade na actualidade:

"...Trata-se de uma forma de Psicanálise aplicada, mas que sustenta o acto analítico para além do trabalho individual. Aí, o analista é responsável pela presença do discurso analítico no laço social.

Proponho, aliás, o termo analista-cidadão para designar o psicanalista que responde à chamada que lhe é feita, pronunciando-se activamente sobre os acontecimentos do seu tempo ou nas instituições onde trabalha. O analista-cidadão terá de ser, sem dúvida, um analista sensível às formas de segregação contemporâneas e entender qual a função que agora lhe corresponde."

Para ler na íntegra, ir a :

http://www.pnethomem.pt/cronica.asp?id=1038

segunda-feira, 8 de junho de 2009


Ainda sobre o Trauma…


Na minha opinião, a noção de Trauma psíquico está intimamente ligada à própria génese da ciência psicanalítica pois, como sabemos, uma das primeiras conclusões de Freud no seu estudo das conversões histéricas foi que a causa dos sintomas seria o Trauma infantil.
Em terapia podemos observar/inferir que nas bases etiológicas das neuroses e psicoses estão sinais de experiências traumáticas infantis vividas num momento em que é impossível para a mente da criança integrar as emoções e significações dessas mesmas experiências. Serão estas experiências, que deixam uma ferida (psíquica) mal cicatrizada (o termo trauma de origem grega significa ferida), a “fonte” de angústias, ansiedades, sintomas, etc.
O trabalho psicanalítico, através da interpretação servirá, então, para abrir um caminho para que a experiência traumática infantil seja abordada de uma forma reintegrativa, elaborada e controlada através da linguagem. Deste modo o Trauma pode deixar de ser uma fonte de sintomas e as angústias e ansiedades inexplicáveis podem tornar-se um registo simbólico do passado.

PS: Uma empresa farmacêutica multinacional que está a tentar encontrar uma terapêutica para o stress pós traumático de guerra anunciou que está prestes a terminar o desenvolvimento de um medicamento que apaga a memória de acontecimentos traumáticos.

Será este o caminho certo? Eu, num registo um pouco pessimista e paranóico, não consigo deixar de me assustar com o rumo que estas coisas podem tomar…

domingo, 7 de junho de 2009

A ABORDAGEM ANALÍTICA DA OBESIDADE

O inconsciente tem implicações no corpo e na formação do discurso deste. O tipo de vinculação subjectiva que o sujeito apresenta em relação ao seu corpo tem pode ter uma acentuada influência sobre as condutas alimentares deste.
A psicanálise marca a distinção entre o corpo como organismo biológico e o corpo designado pela linguagem. A experiência do sujeito em relação ao seu corpo dá-se pela via do significante que é responsável pela organização da relação do sujeito com a imagem do seu próprio corpo e a partir daí, as relações com as imagens dos outros indivíduos e dos objectos da realidade. Pelas as razões expostas, é de extrema importância ouvir como o paciente nos fala do seu corpo, qual a possível relação que a obesidade mantém com a sua história de vida, as implicações para esta e o que esse paciente pretende para além da perda de peso, tendo em conta que significantes como ganho e perda possuem referências diferentes para cada indivíduo.
Ao utilizar a psicanálise como ponto de referência da psicoterapia para intervir na obesidade está-se a tratar o corpo não como um organismo mas como algo que fala e obtém prazer, um corpo governado por uma entidade psíquica. Isto significa que não se lida com a dimensão do facto, ou seja com a obesidade (o corpo obeso) mas com a relação do sujeito com o seu corpo e as consequências desta para a vida. São usados métodos psicológicos como a confrontação, clarificação e interpretação. A capacidade de introspecção por parte do paciente assim como empatia por parte do psicoterapeuta e o recurso a noções Freudianas como a transferência e a contratransferência são fundamentais. É de extrema importância analisar a possível existência de conflitos emocionais, problemas sociais, distúrbios nas relações de objecto, problemas separação/individuação especificamente no estádio do objecto transicional (noção introduzida por Winnicott) resultando por conseguinte numa fixação narcísica no seu próprio corpo à custa da utilização de objectos externos, nomeadamente os alimentos. Por tudo o que foi exposto facilmente se conclui que os objectivos das psicoterapias psicanalíticas ou de abordagem analítica ou de orientação dinâmica não se resumem a provocar mudanças no corpo do paciente mas sim a mudar a relação do sujeito com o seu corpo, a criar as condições necessárias para que o sujeito se depare com aquilo que lhe é estranho e ao mesmo tempo familiar, o corpo que” habita”.

sábado, 6 de junho de 2009

O corpo de (s) graça da MULHER

Vénus of Willendorf


"Não importa o quanto pesa. É fascinante tocar, abraçar e acariciar o corpo de uma mulher. Saber seu peso não nos proporciona nenhuma emoção.

(…)

As jovens são lindas... mas as de 40 para cima, são verdadeiros pratos fortes. Por tantas delas somos capazes de atravessar o atlântico a nado. O corpo muda... cresce. Não podem pensar, sem ficarem psicóticas que podem entrar no mesmo vestido que usavam aos 18. Entretanto uma mulher de 45, na qual entre na roupa que usou aos 18 anos, ou tem problemas de desenvolvimento ou está-se a auto-destruir.
Nós gostamos das mulheres que sabem conduzir sua vida com equilíbrio e sabem controlar sua natural tendência a culpas. Ou seja, aquela que quando tem que comer, come com vontade (a dieta virá em Setembro, não antes); quando tem que fazer dieta, faz dieta com vontade (sem sabotagem e sem sofrer); quando tem que ter intimidade com o parceiro,tem com vontade; quando tem que comprar algo que goste, compra; quandotem que economizar, economiza.
Algumas linhas no rosto, algumas cicatrizes no ventre, algumas marcas de estrias não lhes tira a beleza. São feridas de guerra, testemunhas de que fizeram algo em suas vidas, não tiveram anos 'em formol' nem em spa’s... viveram!
O corpo da mulher é a prova de que Deus existe. É o sagrado recinto da gestação de todos os homens, onde foram alimentados, ninhados e nós, sem querer, as enchemos de estrias e demais coisas que tiveram que acontecer para estarmosvivos.
A beleza é tudo isto".
Paulo Coelho

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Corpo (Des)graçado




Corpo com graça, corpo sem graça. Corpo com alma, corpo sem alma.

Corpo com graça e com alma não corresponde necessariamente ao corpo estético, ao corpo belo. Afinal quantos corpos belos são desgraçados! Pensemos nos corpos anorécticos, bulímicos, mutilados, outros doentes pelo resultado de somatizações graves. Um corpo com graça e com alma é belo pela vitalidade que brota, que inspira carga simbólica e diria até genitalidade.

Talvez, por estas associações expostas, iria cometer o acto falhado ao escrever o título corpo (des)carnado em vez de (des)graçado, o primeiro título a ser pensado e como tal acima enunciado. É que um corpo sem graça e sem alma, sem carga simbólica e genital é afinal um corpo descarnado, um corpo sem a carne anímica e palpável, um corpo alibidinal.

O corpo tem uma linguagem e expressão própria, pensemos no corpo em movimento num bailado, numa outra dança contemporânea ou ainda ritualizada, mas estas expressões com a tal carga simbólica que nos invade e faz-nos pensar, elaborar com nossa mente (muitas vezes vista como separada do resto do corpo) e sentir as mais variadas sensações (e emoções) com nosso corpo corporal, chamemos assim. Será que quanto mais alma e graça nosso corpo possui, mais emoções e sensações sente? Parece que sim. E parece que mais padece quanto menos emoções é capaz de sentir e mais desgraçado quanto mais dor sofre.

O corpo desgraçado aparece na ausência da graça metafórica, sendo que ainda aparece de graça a crueldade do descarnado sofrido e por vezes imentalizável que “ quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que paga”, como cantava Variações. Há quem faça fugas para a frente com o corpo, há quem o ofereça e maltrate de graça, há quem o venda na desgraça, mas porém há quem o pense e o transforme e quando o corpo tem juízo, a cabeça também o pode pagar, deixa a pagar, deixa a pagar (cantando doutra forma) !!!

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Apenas isto...


Uma vez, uma grande amiga disse-me que a amizade era uma questão de fé... se a questionassem sobre o porquê de gostar de determinada pessoa, sobre o porquê dessa amizade ela responderia apenas isto:"Porque tenho fé!".


Apenas isto...

VIVER NO ESTRANGEIRO AUMENTA A CRIATIVIDADE?

Parece que sim, de acordo com um estudo que envolveu centenas de estudantes e que foi publicado no Journal of Personality and Social Psychology.
O estudo vem referido no Ecomomist (uma excelente revista, aliás) e refere a correlação entre viver, ou ter vivido, no estrangeiro e a criatividade das pessoas e as suas competências relacionais. Parece, no entanto, que viajar não chega. É preciso viver mesmo fora. O estudo não envolveu estudantes portugueses, para quem suspeito que a correlação seria ainda maior. Este santa terrinha nunca foi chão que desse muitas uvas. É tudo muito tacanho e pequenino.
Interessante, não?

domingo, 31 de maio de 2009

A Crise , O Trauma - O Luto


"Embora saibamos que depois de uma perda dessas o estado agudo do luto abrandará, sabemos também que continuaremos inconsoláveis e não encontraremos nunca um substituto. Não importa o que venha preencher a lacuna e, mesmo que esta seja totalmente preenchida, ainda assim alguma coisa permanecerá. É a única maneira de perpetuar aquele amor que não desejamos abandonar."

Freud


Inicia assim o livro de José Eduardo Rebelo - Desatar o nó do luto. Este autor fala sobre a perda de entes queridos e dos processos inerentes ao luto. Enfatiza a questão dos laços afectivos como essenciais para a nossa vida emocional e debruça-se essencialmente no que acontece quando estes são quebrados de forma inesperada. Ora aqui a questão da crise e do trauma assume um papel preponderante, mas mais preponderante ainda é a questão do aparelho psíquico para pensar os pensamentos, pois tal como referiu Bion (vide post Ana Almeida) o trauma e a sua gravidade dependem da (in)capacidade para fazer face às exigencias impostas; neste caso para fazer o luto e ultrapassá-lo.

O conceito de luto "fazer o luto" aplica-se a várias situações da nossa vida, querendo dizer que é a necessidade do indivíduo em viver uma crise, em viver sentimentos confusos, contraditórios, que oscilam entre apatia, decepção, raiva... para posteriormente ultrapassá-la, e isto depende inevitavelmente das condicionantes internas de cada um.


Tal como nos diz José Eduardo Rebelo "Todo o processo que medeia entre a perda e a reabilitação para a vida exige um período de demora: é o tempo do luto. Este terá que ser percorrido até que a realidade predomine, até que aceitemos que todos os vínculos que estabelecemos com alguém, tão querido, só podiam ser usufruidos na sua presença....Só assim recuperaremos a paz de espírito, uma tranquilidade íntima, indispensável para prosseguir a vida na sua plenitude."


Este seguir a vida na sua plenitude refere-se ao viver, mas ultrapassar a crise e não se deixar absorver pela dor e tristeza conduzindo a um trauma psíquico.

“As crianças doentes da alma desistem de olhar”

“As crianças doentes da alma desistem de olhar”, afirmou Teresa Ferreira no livro ”Em defesa da criança”, que reúne os seus textos. Gostava de citar o que a autora considerava serem os quatro direitos de um bebé que vai nascer:
"1- Direito a ser desejado por ambos os pais
2- Direito a uma mãe disponível
3- Direito a um pai presente
4- Direito a um espaço (quarto de criança na casa de habitação)"
A concretização destes quatro direitos significa que os pais são adultos desejantes, o bebé experimenta repetidamente no tempo uma relação gratificante/securizante com a mãe, o pai aparece como um terceiro elemento de realidade que permite a evolução da relação simbiótica mãe-bebé, abrindo-a para o exterior, e o bebé tem um espaço seu que lhe permite a separação e a construção dos limites da sua interioridade.

Partindo deste principio, poderemos prever que:
- se os direitos forem assegurados, o olhar da criança será curioso e confiante, porque se estabelecerá um equilíbrio de base, organizando-se a capacidade de pensar e fantasiar. A criança poderá fazer face às frustrações, porque terá à disposição recursos internos criativos que lhe permitirão lidar com a realidade externa boa ou má e adaptar-se; e
- se os direitos não forem assegurados, o bebé crescerá inseguro e o risco de desmoronamento perante as crises será elevado. Não existindo recursos suficientes na mente para lidar com a crise e ultrapassá-la de forma maturativa, esta poderá ser vivida como traumatizante. O olhar tenderá a esvaziar-se de afecto e sentido.

Mais tarde, perante o sofrimento persistente, a procura de ajuda terapêutica surgirá como uma possibilidade de reconstrução. Tal como já referido num post anterior, neste processo psico-terapêutico é essencial a fé de que no par (terapeuta/paciente) se poderá compreender o que se está a passar com o paciente. Enquanto o paciente se sente desesperançado, desvitalizado, desconfiado, o terapeuta deverá manter a esperança de que será possível fazer ligações entre afectos e pensamentos e tecer uma "trama" segura entre o Eu e o Outro.

Deixo-vos com uma curta-metragem que apela para a capacidade de olhar e nos deixarmos tocar emocionalmente pelo Outro.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Trauma e crise


A primeira associação de ideias que fiz com a palavra TRAUMA, talvez porque há dias estive a ler umas coisas sobre educação, foi com o célebre Dr. Benjamim Spock, pediatra americano, autor de livros sobre a educação infantil, que defendia que não se deveria repreender as crianças quando se portavam mal, porque isso iria criar-lhes traumas. Evidentemente que o alcance das suas palavras só foi possível devido a todo um enquadramento histórico e social, mas a verdade é inspiraram várias gerações de pais, até hoje.

Se acrescentarmos que hoje os pais estão cada vez mais ocupados com as suas próprias ambições e encaram cada vez mais os filhos como um prolongamento de si próprios, percebemos que o provérbio “Quem tem filhos tem cadilhos” leva a que muitos ou não tenham filhos, ou os queiram manter num estado de satisfação constante, como se isso lhes desse garantias de tranquilidade.

Nada mais falso. A falta sistemática de colocação de limites e barreiras por parte dos pais, sendo que para os colocar é preciso criar pequenas CRISES familiares, não permite à criança o desenvolvimento daquilo a que chamamos a capacidade de contenção, que não é mais do que a capacidade de auto-controlo.

Dizendo que sim a tudo o que a criança quer para não a arreliar, iniciam um movimento de bola de neve que não tem fim, pois esta colocará a sua exigência sempre mais e mais alto, até ao desespero dos pais, o que acaba muitas vezes por resultar em abandono afectivo pela insuportabilidade do despotismo de que se sentem vitimas.

Saber dosear firmeza e amor é uma questão de bom senso dizem muitos. Mas não é assim tão simples porque estas capacidades parecem ser cada vez mais difíceis de encontrar nos dias que correm. Quem foi educado com elas conhece-lhes as vestes, quem não foi tem na tarefa de educar um trabalho muito mais difícil e como mais vale prevenir do que remediar, talvez fosse bom pedir ajuda profissional.

Pequenos insights. Grandes insights!

Um dia ao navegar na internet encontrei esta imagem e de imediato me fez pensar no meu dia--dia enquanto psicólogo clínico que atende pacientes e que com eles me relaciono. Penso que em certas alturas alguns deles também se terão socorrido do seu "guarda-chuva". De facto o ser humano consegue ser muito inteligente ("humans are clever animals"- Bion), mesmo quando aquilo que mostra é outra coisa, outra postura, outra cena. Penso que quando surgiu a agricultura há milhares de anos atrás, os agricultores desses tempos remotos também deveriam olhar para os céus revoltos e imaginá-los (entre muitos outros pensamentos) mais serenos, sem tanta tensão e turbulência, para que, ao regressar a serenidade do bom tempo, pudessem lançar as sementes e torcer para que elas germinassem e se desenvolvessem. Disso dependia a sua sobrevivência e dos seus filhos.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Acto de Fé

Pensar em fé é pensar em algo que não pertence ao domínio da razão, em algo que nos transcende e a que podemos aceder apenas com a nossa intuição e com os nossos afectos. Algo que portanto nos apela menos a um discurso cientifico, e mais à religião e ao misticismo.

Mas ter fé é o mesmo que acreditar e aparentemente com este sinónimo já não ficamos tão comprometidos na nossa fala.

Acreditar ou não acreditar! Eis a questão!

Os gregos acreditavam nos Deuses. Cada Deus tinha as suas funções, era mais ou menos perfeito, e enredava-se com os seus pares em histórias/mitos que congregavam e organizavam os medos dos homens tornando-os menos ameaçadores. A morte, a sexualidade, o feminino, o conhecimento…

Depois, na sociedade ocidental um Deus único, omnipotente, omnipresente e omnisciente veio tranquilizar, apaziguar os mesmos medos.

Hoje, e sobretudo desde que, como afirmou Nietzsche “Deus está morto”, é o homem que está no centro da questão. Para o bem e para o mal…

Mais só perante as suas angústias, pode ainda acreditar, ter fé na ciência e no conhecimento, ou por outro lado, nos misticismos que curiosamente parecem tornar-se cada vez mais populares a despeito de uma maior racionalidade no mundo pós-moderno.

Parece estar também a agarrar-se cada vez mais a crenças em torno de estilos de vida saudável, e de promessas genéticas pouco realistas, como se pudesse iludir a morte. Mas não será também a Fé em Deus ou nos deuses ou nos misticismos isso mesmo, uma tentativa de ilusão da morte?

E o amor? A relação com o Outro?

Como mostra a história do homem que tentou fugir para Samarcanda e como nos diz Heidegger todos somos seres para a morte. Amaral Dias completa a ideia e diz-nos que é a relação com o outro que nos permite amortecer essa dor. Eu concordo. Por isso não deixa de ser preocupante ver que cada vez mais o homem se relaciona com coisas e menos com pessoas. Cada vez confia menos em pessoas e mais em coisas.

Mais só perante a morte, cada vez mais angustiado e sem relações que lhe contenham estável e duradouramente as angustias... Eis o homem pós-moderno.

Quanto mais decreta o fim da psicanálise mais a humanidade precisa dela e dos seus psicanalistas/psicoterapeutas. Mas é preciso que os psicanalistas eles próprios acreditem na existência da verdade da realidade psíquica, tendo Bion chamado Acto de fé a esta ideia.

É porque alguém cuidou de nós, nos alimentou, nos acalmou e não nos deixou cair, e porque a nossa mente conseguiu interiorizar esses cuidados e o seu significado de uma forma minimamente segura que podemos verdadeiramente acreditar/confiar no outro.

Não deixemos pois de ter Fé na Verdade, no Amor, na Gratidão. Trilhar com o Outro esse percurso. Talvez essa seja a missão mais nobre do psicoterapeuta/psicanalista.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

dois: fé dos actos


Frente a um sempre único Outro, descer a avenida até à praia e partir para um desconhecido. Fazer o mapa.
Saber claramente os sinais, o que é mar, terra, céu, rocha, deserto, glaciar, vulcão, perceber de que lado sopra o vento, qual a ordenação das constelações que nos orientarão nesse desenhar e apagar, desenhar e apagar de novo; os contornos, os relevos de cada mar, de cada bocado de terra mais ou menos fértil, isso terá que ser pensado e revelado a dois.
No encontro de dois que desejam conhecer, estabelecer mapas, perceber os fundos do fundo e marcar no céu cada novo planeta com os contornos do desejo que se vai desenhando.
Mesmo sabendo que o mapa traçado, vivido e sentido será sempre imperfeito, inacabado.
O paradoxo a tolerar parece-me este: tolerar a infinita complexidade de um Outro, das relações que estabelece consigo e com os outros, e tolerar os limites ao que pode ser conhecido, mas que se revela, sendo.
Perceber, descendo a avenida que nos leva à praia, que, mais do que a segurança do saber por outros feito, prevalece o desejo de um dia desembarcar numa nova praia, e perceber que mesmo assim, tudo está por pensar, e que o infinito e o incerto de nós mesmos e do Outro que se nos apresenta, será sempre o que vamos desejar.

Comnetário ao post do Pedro sobre a fé e os dogmas


Pus um comentário ao post do Pedro, mas não ficou registado (mistérios da informática).

Dizia mais ou menos isto:

Con(fe)sso que não percebo nada de fé porque sou mais do género dubitativo, sempre a questionar-me. Enfim, um traço obsessivo que todos nós sabemos que traz vantagens e desvantagens. Às vezes pode ser uma grande carga.
Dito isto, sei reconhecer um dogma quando vejo um, e fujo deles como diabo da cruz! (espero que ninguém leve a mal este trocadilho)

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Os actos de fé em Psicoterapia!


Na minha opinião um acto de fé será acreditar em algo e agir de acordo com essa crença sem a questionar.
Segundo a igreja católica a oração para um acto de fé é a seguinte:
Eu creio firmemente que há um só Deus, em três pessoas, realmente distintas: Pai, Filho e Espírito Santo, que dá o céu aos bons e o inferno aos maus, para sempre. Creio que o Filho de Deus Se fez homem, padeceu e morreu na cruz para nos salvar, e que ao terceiro dia ressuscitou. Creio tudo o mais que ensina a Santa Igreja Católica, Apostólica, porque Deus, verdade infalível, lho revelou. E nesta crença, quero viver e morrer. Ámen.

Agora cabe-me efectuar a definição de psicoterapia, esta poderá ser bastante mais difícil, uma vez que é mais discutida… ao contrário dos dogmas da fé.
Na minha opinião psicoterapia é o processo de evolução cognitiva e emocional que leva ao equilíbrio interno e externo do ser humano. Segundo um velho dicionário de psicologia, a psicoterapia é uma aplicação de técnicas especializadas no tratamento de distúrbios mentais ou de problemas de ajustamento á vida quotidiana.

A questão que se coloca é “será que a terapia deve ser um acto de fé?”
A resposta, na minha opinião, é que não deve ser um acto de fé, porque se o acto de fé engloba a resignação aos dogmas instituídos então deixa de existir espaço para o questionamento de crenças internas e para se questionar a relação terapêutica.
Sem estes pressupostos de disputa de crenças, o processo evolutivo do ser humano fica sem o meio de construir hipóteses alternativas ao seu modo de pensar e agir actual. Ou seja, o encurralamento é inevitável. Com tudo o que isso implica!
Deste modo, o questionar das crenças do indivíduo, uma ferramenta tão usada por psicólogos cognitivos, é a antítese do acto de fé!
O movimento de questionar crenças e atitudes, também pode surgir no sentido do paciente interpelar o terapeuta acerca do processo que está a decorrer… ninguém deve estar dispensado de ser questionado, nem Deus, nem tão pouco os terapeutas. Aliás quando alguns pacientes o fazem é porque o processo está a decorrer muito bem!

A minha sugestão será sempre: questionem-se… mas por favor encontrem repostas!
Senão mais vale num acto de fé, e acreditar que tudo vai correr bem, sem nada fazer para que isso aconteça!

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Com lágrimas e sol

Como aqui já foi abordado, os especialistas do desenvolvimento distinguem as crises normativas (relacionadas com a idade e inerentes ao próprio percurso de vida) das crises não normativas. No seguimento da descrição e reflexão sobre os conceitos, ocorreu-me abordar as crises não normativas e o impacto da diferença e para isso pareceu-me essencial utilizar uma abordagem pragmática de sensibilização uma vez que os factores ambientais também são potenciadores do trauma.

Todos desejamos que os nossos filhos sejam saudáveis e felizes e o confronto com a notícia de que um filho é portador de um diagnóstico incapacitante exige aos pais um mergulho numa batalha adaptativa de recuperação de equilíbrio. O confronto com a incapacidade de um filho (seja ela visual, auditiva, motora, cognitiva, etc.) desperta nos pais uma dor imensa gerada por uma ferida narcísica tremendamente desorganizante e enfraquecedora assim como sentimentos de pânico pela incerteza do futuro. A capacidade para superar tamanho sofrimento dependerá naturalmente da agilidade do aparelho psíquico para elaborar e integrar de uma forma suportável os ataques e as defesas internas que incorrem nestas situações.

O vídeo que se segue retrata de uma forma pedagógica a paralisia cerebral, mas mais do que isso é absolutamente enternecedor. Força e coragem para o Léo e para a sua família e para todas a famílias que passam por situações de crise semelhantes.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

cá estão as tais redes de pesca que usam na Caloura, São Miguel. Têm cores lindíssimas. São as tramas (tecidos), as malhas que a vida tece. Ou elas ou o trauma (a ferida)...

Redes, tramas e traumas

É já a terceira vez que tento escrever um comentario aos post sobre o trauma. Desisto e escrevo um post. À terceira tentativa e a esta hora da noite, já nem me lembro bem do que escrevi.
Mas sei que estava a reler os varios posts sobre o trauma que inauguraram a Janela Clínica e detive-me no da Ana Paula Nascimento, que consegue esse feito raro, e invejável, de ser simultaneamente cientifico e poetico.
"Sinto-me como um casca", dizia-me alguém. Uma casca dura que não deixava passar nada para o exterior, nem vice-versa. Como se a pessoa não pudesse sequer comunicar o sofrimento, não estivesse viva.
E não deixa de ser estranho como duas palavras quase iguais, trama e trauma, têm significados tão diferentes. Trama vem do latim tecido e trauma do grego ferida.
(agora naõ consigo pôr a fotogarfia de uma rede, de uma trama. Coisa aliás muito bonita, uma rede de pesca Caloura, foto tirada pela Julieta. Amanhã tentarei)

quarta-feira, 13 de maio de 2009

A Culpa é da Crise... ou da falta de Fé no próprio?


Oiço as pessoas numa constante queixa: “A vida está cara... não há dinheiro para nada... pago uma renda de 600 euros, tenho 2 filhos e ganho apenas 1000... os políticos são uns corruptos... dinheiro aos bancos! Deveriam dar o dinheiro a nós... agora aos bancos!... Votar para quê? São todos iguais! No tempo do Salazar é que era... é tudo uma rebaldaria!...”

De onde nos vem este descontentamento?
Se pararmos na rua e questionarmos os transeuntes certamente nos dirão que a culpa é da CRISE!
Faço uma reflexão e fico com o sentimento de que a CRISE sempre esteve aí... ela paira sobre as nossas cabeças e funciona como uma espécie de explicação “acting out” do nosso descontentamento, das nossas frustrações, dos nossos TRAUMAS.

De que ordem é esta queixa? Ou queixume?
Colocar a explicação no que nos é exterior é um enunciado de fácil acesso, permite-nos uma explicação satisfatória sobre os nossos sentimentos.
A CRISE não é minha, é exterior a mim, somente exterior a mim. Será este o cerne da questão/ões?

De que forma ressoa internamente? É assim tão doloroso que a explicação mais suportável se prenda essencialmente com um outro/ uma outra coisa? Uma aparente explicação? Que TRAUMA este de ser díficil o encontro com a nossa verdade íntima?

Aparentemente a dor/queixa tornou-se pública, globalizou-se... e a culpa parece ser da CRISE... ou da falta de FÉ no próprio?

um: acto de fé


“ – Que me trazes aí, pequeno?
- É para o carneiro, pai.
- Qual carneiro?
....
Chaktour olhou o filho com espanto e piedade. Não disse nada. Nos seu espírito continuamente atormentado, já não havia lugar para uma nova dor. Sentia-se simplesmente esmagado pelo gesto do seu filho. Compreendia agora que nesta criança – da sua carne e do seu sangue – se estava a formar uma miséria consciente e real de que ainda não se tinha apercebido e que para sempre ficaria ligada à sua. O menino crescerá e a sua miséria irá crescer com ele até ao dia em que fraco por sua vez – pode um homem suportar sozinho a sua miséria? – criará um filho que partilhará o peso dela com ele. A única consolação do pobre é não deixar ao morrer um filho pródigo. A ignomínia que lega à descendência é inesgotável”.

Albert Cossery, Os homens esquecidos de deus

sábado, 9 de maio de 2009

do trauma ou sobre as tramas e suas impossibilidades



Falando da vida no resto do universo, e de formas de conseguir encontrá-la, um cientista, percebendo que as técnicas antes usadas se aproximavam sempre muito de procurar a vida como a conhecemos, pensou que a melhor forma para a encontrar seria procurar ordem nos elementos.
Imaginando “...um quilo de massa de letras. Imagina agora que as deitas numa panela. Ficariam todas misturadas. Este é o ponto de equilíbrio da entropia. Ou seja, o ponto de desordem máximo. Mas imagina que alguém forma palavras com as letras, ou separa todos os S por um lado e todos os M por outro. Se espreitares a panela e vires que as letras estão separadas e ordenadas, sabes com certeza que alguém o fez. Pois é isso que a vida faz. Ordena as letras essenciais do Universo, a vida é, então, ordem.”
Pegando neste excerto de um livro de Rosa Montero, pensamos na desordem, no sem sentido, e na inevitável urgência constante de ordem para que a vida, também a interna possa surgir. Mesmo sabendo da alternância que dá o respirar aos modelos de pensamento.
Não é no entanto disto que falamos quando falamos em trauma. O excesso de sem sentido, de desordem, que atinge o sujeito, impossibilitando-o de pensar, de transformar o impacto de algo que é demais.
O excesso de sem sentido, de desordem, elementos desorganizados sem uma matriz, uma trama, um contexto interno, um enredo que os possa acolher e transformar. Este excesso de sem sentido, pode ser causa de estagnação na alternância essencial ordem/desordem, impedindo o funcionamento simbólico produtor de crescimento. Como se o mundo interno, excessivamente atingido se desorganizasse, fazendo com que as palavras se soltassem dos elos de ligação, perdendo a mente a trama, o enredo, o contexto que dá sentido. Na desordem de letras, de elementos de pensamento, devido a um excesso que o sujeito não se vê capaz de conter e elaborar, perdem-se as tramas, os enredos, que possibilitariam a contenção da experiência, esperando em local seguro pela transformação.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Crise


David Zimerman explica…

O termo crise surge com frequência no jargão psicanalítico para referir tanto os momentos culminantes na vida durante as várias fases evolutivas do indivíduo (por exemplo a crise da adolescência, ou da velhice, etc.) como também situações existenciais (crise de um casamento, crise financeira, crise de uma instituição, de uma situação de análise, etc.).
O vocábulo “crise” deriva do grego krinen que significa separar, decidir. Assim um processo de crise terá um destes dois destinos: 1. A situação em crise pode deteriorar-se progressivamente até à extinção; 2. A curto ou longo prazo, haverá uma modificação importante, a qual pode representar um crescimento muito saudável e de progresso notório, sendo no entanto quase sempre dolorosa.
O psicoterapeuta (ou analista) deve ter plenas condições para enfrentar eventuais crises do paciente, porquanto estas estão com bastante probabilidade a representar um significativo momento de importantes mudanças no psiquismo do paciente. Em suma, uma crise pode, de facto, estar a significar “o começo de um fim”; mas também entretanto pode estar a representar “o começo de um novo começo”, com uma nova proposta em relação àquela anterior à crise.

sábado, 2 de maio de 2009

Crise e Trauma


A esmagadora maioria dos autores é unânime em considerar o trauma psíquico uma espécie de ferida, uma abertura ou rasgadura da pele psíquica. Esta ferida dá-se quando os mecanismos que protegem a mente não são capazes de assegurar a manutenção do equilíbrio emocional e ele rompe-se lançando o sujeito num mundo caótico.

Para Klein a vivência de uma experiência traumáticas é equivalente ao sentimento de se ter sido abandonado pelos bons objectos internos que nos protegiam e alimentavam e de termos ficado à mercê de objectos maus e odiosos que foram responsáveis pelo trauma. Para Bion é um aparelho psíquico incapaz de fazer face às exigências que determina a constituição do trauma e a sua gravidade.

Na noção de trauma há uma ideia base que nunca foi verdadeiramente posta em causa e que se configura como pano de fundo e alicerce de todas as grandes abordagens ao trauma. Essa ideia implica, de forma directa, a vivência de uma experiência que foi assimilada pela mente ou personalidade como excessiva. O Excesso é o factor comum a qualquer vivência traumática.

Pensar em tudo aquilo que acontece quando a mente tem que lidar com o EXCESSO leva-nos, então, a uma reflexão com implicações claras e óbvias numa quantidade grande de sistemas e subsistemas que operam de forma imbricada e inter-ligada.
aquilo que acontecerá à mente quando confrontada com o Excesso depende principalmente das características e condições particulares da mente atingida. Não será com toda a certeza a mesma coisa um acontecimento ou vivência excessiva atingir uma mente que tenha um aparelho de identificação projectiva hipertrofiado ou uma outra que tenha um aparelho para pensar os pensamentos altamente eficaz.

Numa mente robusta e com um aparelho para pensar os pensamentos ágil e eficaz tende a viver a crise (qualquer crise) como uma oportunidade para a mudança e para a transformação; uma mente frágil sucumbe com o impacto da crise e esta ganha um potencial traumatizante.