terça-feira, 23 de junho de 2009

O corpo de(s)graça


O eu é primeira e acima de tudo um eu corporal, disse sabiamente Freud, querendo afirmar que é do corpo e das suas percepções e sensações que emerge o eu do indivíduo, o qual se vai tornando, ao longo do desenvolvimento, progressivamente mais simbólico.
Quando existem falhas neste processo o eu em vez de consistente e coeso revela-se poroso, como se a pele psíquica se apresentasse com buracos que deixam passar partes do sujeito que se vão depois misturar com partes do objecto gerando movimentos de projeccção e de identificação projectiva patológica onde o individuo se perde e se confunde pois não pode vivenciar-se como separado do outro.
Nestes movimentos caracterizados pelas dificuldades ao nível do simbólico o corpo é vivido na sua concretude, quase sem metáfora, sendo neste registo que enquadramos várias patologias onde o corpo surge agredido, maltratado, como sejam as auto-mutilações, as anorexias/bulimias, algumas doenças psicossomáticas, as toxicodependências, a prostituição, tantas são as formas de vivenciar no corpo as dores da alma.
O corpo é então um continente da raiva e ódio experimentados contra si pela impossibilidade/insuportabilidade de os voltar para fora, para o exterior, eventualmente para o agente agressor, tantas vezes pai ou mãe.
(…) Lembro-me de a ver entrar, meias pretas de rede rotas deixando ver as marcas de agulha das seringas que espetava e a boca suja de chocolate do bolo que tinha entre os dedos. Abusada antes pelo pai dava-se agora ao abuso dos outros, viciadamente, estes podia ela controlar (…)

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