sábado, 4 de julho de 2009
Da neutralidade
Com as transformações que o mundo tem vivido sobretudo nos últimos 50 anos, parece-me inevitável que se coloquem em causa os velhos conceitos, aos mais variados níveis. Na psicanálise estes questionamentos são de extrema utilidade não só no sentido de estimular, através da reflexão, o nosso crescimento como também como um meio para alcançar um melhor desempenho profissional, mediante uma melhoria da adaptação das teorias à prática.
Olhando para as transformações quer sociais quer individuais que se têm vindo a observar interrogo-me sobre as suas invariantes. Ou seja, no fundo e para além de todas estas mudanças o que é que permanece ou deveria permanecer igual para o bem da humanidade em geral e dos seus indivíduos em particular. Bom, mas isso daria já outra reflexão!
Sobre os velhos ideais aplicados ao trabalho psicanalítico, o que importaria agora aqui pensar é quais deveremos ou não seguir, ainda que sempre conscientes de que só conseguiremos deles meras aproximações. Sócrates ao defender a Verdade, no século V a.c., foi condenado à morte. Outros autores ao longo da história, e mais recentemente Bion, continuam a afirmar que existe uma Verdade ultima, ainda que dela só consigamos levemente aproximar-nos.
A meu ver, face à neutralidade do analista passa-se algo de semelhante. Freud afirmava que este deve ser como um espelho que reflecte o que o analisado lhe mostra, com um mínimo de interferência possível da sua parte. Ao dize-lo está consciente de que é fácil que essa interferência ocorra e que é humano que assim o seja, mas que o nosso esforço deve ser no sentido de criar condições, através da nossa auto-reflexão e da nossa ética, para que essas sejam reduzidas ao mínimo.
Trata-se, dito de forma muito simples, de evitar a interferência de ruídos que iriam diminuir a nossa capacidade de ouvir o que o nosso paciente nos diz. Ruídos estes, uns oriundos do nosso mundo interno, através da nossa própria contra-transferencia, muito útil no entendimento do que se está a passar em cada momento do processo e outros, provocados por um excesso de nós, que levaria o paciente a sentir menos espaço para entrar e a nós a ter menos espaço interno para o receber. Claro que com as neuroses isto remete para uma maior ou menor dificuldade de o paciente transferir sobre nós os seus conflitos, mas mesmo com patologias limite ou psicóticas penso que é mais importante que estes nos sintam mais como continente e menos como conteúdo.
No fundo acredito nos benefícios da neutralidade como ideal a seguir, mas com as devidas adaptações, quer no que remete para a articulação com a psicopatologia, pois a neutralidade com a neurose não é igual à neutralidade com a patologia psicótica, e aliás a própria contra-indicação do divã é disso exemplo, quer no que remete para a exposição publica, a qual nos tempos que correm, com a Internet, seria quase impossível evitar.
Mas sempre com a neutralidade no horizonte não deixo de ter alguns cuidados com aquilo que escrevo ou revelo, e de me questionar sobre o que os meus pacientes pensarão ou sentirão se/quando confrontados com essa informação.
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